A importância do cuidado integrado e do tratamento interdisciplinar da pessoa com transtorno do espectro do autismo foi tema de evento promovido na manhã desta quinta-feira (7) pelo Ministério Público estadual. O evento foi transmitido online e contou com a presença de profissionais de diversas áreas, incluindo neurocientista, pedagogo, pediatra, terapeuta ocupacional, fonoaudióloga e nutricionista, além de promotores de Justiça que atuam nas áreas de saúde, educação e direitos humanos. A abertura foi feita pela promotora de Justiça Patrícia Medrado, coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Saúde do MP (Cesau). “A proposta é trazer resolutividade à nossa atuação nas áreas da educação, saúde e direitos humanos e ajudar na concretização de políticas públicas para pessoas do espectro autista”, destacou Patrícia Medrado.
A programação contou com duas mesas de debate sobre os temas ‘O cuidado integrado da pessoa com transtorno do espectro do autismo (Tea)’ e ‘Equipe multidisciplinar no Tea’. A primeira mesa teve a presença do neurocientista Fernando Lauria, da neuropediatra Emmanuelle Souza Vasconcelos e da terapeuta ocupacional Adriana Lima Balaguer. Fernando Lauria falou sobre as mudanças no padrão do movimento ocular de uma pessoa neurotípica e de uma pessoa autista. “Essa movimentação é importante para nos relacionarmos e para o nosso desenvolvimento emocional. Quanto mais desenvolvemos interação social, mais desenvolvidas são nossas emoções”, explicou.
Outro assunto abordado foi a questão do conceito da neuroplasticidade, que é a capacidade do cérebro se transformar e mudar em resposta aos estímulos aos quais somos submetidos. “Temos uma capacidade de neuroplasticidade a vida inteira, mas, nos primeiros anos de vida, temos uma janela maior. No entanto, isso não nos impede de fazermos intervenções em crianças maiores”, ressaltou.
Segundo a neuropediatra Emmanuelle Vasconcelos, atualmente um em cada 44 nascidos vivos é autista. “Diversos fatores influenciam no autismo, como o fator genético, exposição a vírus, medicações e até diabetes gestacional”, destacou. Ela apresentou os dados de sua pesquisa sobre o atendimento de pessoas autistas no Serviço Único de Saúde (SUS) em Salvador. O estudo revelou que mais de 50% dos pais só percebeu que seus filhos eram autistas entre os dois e três anos de idade. “Isso influencia diretamente na qualidade do tratamento, pois, quanto mais cedo encaminhamos a criança para tratamento melhores os resultados”.
A pesquisa mostrou também que 53,9% das pessoas autistas nunca conseguiram terapia com fonoaudiológa em Salvador pelo SUS e um total de 77% nunca conseguiu tratamento com terapeuta ocupacional. “Isso é muito grave e revela que precisamos urgente de políticas públicas para a população com autismo”, ressaltou a neuropediatra. A terapeuta ocupacional Adriana Balaguer falou sobre como funciona o aprendizado das pessoas autistas. Ela sugeriu para os pais que modulem o tom de voz e ofereçam relacionamentos emocionais sustentadores para as crianças autistas. “Para favorecer o desenvolvimento, a plasticidade neuronal e para se aproximar ainda mais da criança autista é preciso compreender a brincadeira como um processo e não como um produto. Outra sugestão da terapeuta ocupacional Adriana Lima é regular o estado de alerta das crianças e minimizar a quantidade de informação em sala de aula.
Importância da equipe mulidisciplinar
A segunda mesa de discussão abordou o tema ‘Equipe multidisciplinar no Transtorno do Espectro Autista (TEA)’. A introdução dos painelistas foi feita pela promotora de Justiça Letícia Baird. Participaram da mesa a fonoaudióloga Juliana Rocha; a nutricionista Roberta Barone; a pedagoga e fundadora do Grupo Autismo Santo Amaro, Ludmilla Valverde; e Fábio Luiz Souza Vaz, criador da página ‘Se eu falar não sai direito’. As mesas foram intermediadas pela fonoaudióloga e especialista em análise do comportamento aplicada e em transtorno do espectro do autismo, Débora Nascimento. “Abrigar essa importante discussão que requer políticas públicas especiais é de suma importância para nós do Ministério Público, pois atuamos na concretização de direitos sociais. É evidente a necessidade de um trabalho multidisciplinar com as pessoas do Tea”, destacou a promotora de Justiça Letícia Baird.
A fonoaudióloga Juliana Rocha, que trabalha com pessoas autistas há cerca de 20 anos, falou sobre a importância de orientar as famílias acerca da necessidade da intervenção precoce. “Estamos num momento importante de discussão, pois antes não tínhamos ideia do que cada profissional fazia. Hoje sabemos exatamente a importância de termos profissionais especializados”, disse ela. Na ocasião foi discutida também a importância da alimentação e como ela impacta diretamente no desenvolvimento infantil. A nutricionista Roberta Barone sugeriu às mães de crianças autistas fazerem um diário alimentar com a utilização de um cardápio espelho, onde de um lado os pais possam colocoar o que os filhos comem diariamente e do outro, os alimentos que se assemelham. O objetivo, segundo Barone, é variar a alimentação da criança e garantir o seu desenvolvimento.
O evento contou ainda com o depoimento da pedagoga e mãe de uma criança autista Ludmilla Valverde. “Ao receber o diagnóstico do autismo existe de imediato o choque. Mas precisamos internalizar que aquele diagnóstico não é limitante e que nossos filhos vão nos mostrar que será um caminho que estaremos como aprendizes e ‘aprendentes’. Precisamos compreender e aceitar esse diagnóstico”, ressaltou. Ela também lembrou da importância de se cuidar do cuidador e sobre a importância da inclusão. “Temos que lembrar a essas mães que elas jamais podem desistir dos seus filhos. Precisamos continuar lutando para mostrar à sociedade que o autismo não é um mundo à parte e lutar para que o poder público arque com todo o tratamento interdisciplinar”, ressaltou.
Outro momento emocionante do evento foi o depoimento do designer, ativista e bonequeiro Fábio Sousa, conhecido como “tio .faso”. Ele é autista e tem uma página no instagram ‘Se eu falar não sai direito’, que tem mais de 14 mil seguidores na rede social. “Pensem que ser autista não é um fardo. Às vezes a felicidade é comer sozinho. Nos aceite como somos porque interagir é extremamente difícil para nós”, declarou. Ele contou sobre o processo do diagnóstico do autismo já na vida adulta, depois de diversas idas a especialistas. A programação foi encerrada pelo promotor de Justiça Edvaldo Vivas, coordenador do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos (CAODH).
Foto: Humberto Filho/MP