A pesquisa Orla limpa, orla viva – região costeira de Niterói: problemas e soluções, realizada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), comprovou, após um ano de estudos, a existência de superbactérias nas praias de Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro. O objetivo da pesquisa é avaliar a qualidade da areia das praias de Icaraí, Itaipu, Piratininga e São Francisco, a partir da investigação da relação entre a ocorrência do poluente microplástico e de superbactérias, que possuem resistência para diferentes antibióticos e que podem causar infecções difíceis de tratamento.
O projeto foi iniciado em março de 2021, em parceria com a Prefeitura de Niterói e a Fundação Euclides da Cunha (FEC) por meio do Programa de Desenvolvimento de Projetos Aplicados (PDPA). O coordenador da pesquisa, professor Abílio Soares, do Departamento de Biologia Marinha da UFF, explicou hoje (8) à Agência Brasil que a questão das superbactérias já vem se mostrando um problema crescente no mundo. “Porque a gente começa a ter a falta de antibióticos para tratar certas patologias, exatamente porque essas superbactérias são resistentes ao tratamento com antibióticos. Esse é um problema global”.
O professor Soares disse que não é possível dizer, entretanto, que a presença das superbactérias na areia é um problema em si mesmo. Em outros tipos de matrizes, como a água do mar e em outros lugares poluídos, há a presença de bactérias patogênicas. “Mas, potencialmente, a praia é um lugar em que as pessoas estão muito em contato com esses microrganismos, porque sentam na areia, as crianças brincam na areia”, salientou. “Mas ela tem potencial tremendo de vir a ser um problema de saúde pública”.
A pesquisa observou que os organismos patogênicos que já são encontrados há muito tempo nas praias são um problema, como os encontrados na água do mar que as pessoas podem engolir e podem causar disenterias, entre outras doenças. As bactérias patogênicas das areias também. “O problema das superbactérias é algo que vem a se somar aos problemas que nós temos nas praias”.
Microplástico
As análises mostraram que o microplástico é vetor de uma variedade de bactérias com genes de alta resistência a antibióticos, que constituem um risco à saúde dos banhistas. Os microplásticos são partículas com até cinco milímetros de diâmetro, oriundas da degradação de objetos maiores e, uma vez nos oceanos, podem permanecer na água ou ser transportados para a costa, onde irão se concentrar nas areias.
“Em tudo que é ambiente, o microplástico está presente”, diz Soares. De acordo com o professor da UFF, o microplástico já foi detectado na corrente sanguínea do homem, em placenta e no pulmão de pacientes internados. “O microplástico tem sido visto como um dos grandes vilões ambientais, até mesmo porque a sociedade atual ficou escravizada pelo plástico, que vai se degradando depois que é descartado no ambiente e vai soltando microplástico”.
Cerca de 750 mil pessoas no mundo morrem por ano de infecções causadas por esses microrganismos. “Estima-se que esse número poderá chegar a 10 milhões até 2050. Caso isso se confirme, o cenário está aberto para o surgimento de uma nova pandemia. Para evitar esse quadro, são necessárias ações para diminuir o surgimento de novas superbactérias como, por exemplo, um controle mais rigoroso no uso de antibióticos”, manifestou Henrique Fragoso, vice-coordenador da pesquisa e também professor do Departamento de Biologia Marinha da UFF.
Soares esclareceu que há uma diferenciação nas bactérias que ocorrem na areia e nos microplásticos. “O microplástico que ocorre na areia serve de substrato para a colonização por bactérias. Esse microplástico abriga, por vezes, bactérias que não são encontradas no grão de areia”.
Infecções
De acordo com o estudo, foi encontrada grande quantidade de genes de resistência a antibióticos da classe Vancomicina nos microplásticos retirados das areias das praias. “Esse é um medicamento de uso apenas hospitalar que trata infecções causadas por quase todos os Staphylococcus e muitas cepas de Enterococcus”. As Vancomicinas são utilizadas para tratar infecções graves, como pneumonia e endocardite, apontou o professor Henrique Fragoso.
Outro gene identificado em abundância na areia das praias é o de resistência à classe da Azitromicina. Esse antibiótico foi utilizado durante a pandemia de covid-19. A utilização deste medicamento pode ter favorecido a seleção de bactérias resistentes não somente nas praias de Niterói, mas em outros diversos ambientes e regiões, alertou Fragoso.
Políticas públicas
O estudo objetiva ajudar na formulação de políticas de saúde pública. Uma das primeiras ações que podem ser feitas é melhorar a eficiência da limpeza das praias. Quase todas as praias que ocorrem em centros urbanos têm algum tipo de limpeza que nem sempre é eficiente, tanto para macrodetritos, ou macroplásticos, como para microplásticos, que são uma coisa mais difícil de retirar do meio ambiente. “Mas se a gente elimina o macroplástico, a gente deixa de produzir muito do micro. Essa é uma coisa que se pode já aprontar”.
O estudo da UFF deve ser publicado em revistas científicas especializadas e poderá ser adotado em praias do mundo todo. A pesquisa terá continuidade, visando validar os resultados por estudos realizados também em outros lugares. Ele apresenta potencial de monitoramento da qualidade das praias e, por isso, pode ser adotado por qualquer lugar do mundo.
Para assegurar a saúde do espaço natural e dos visitantes, os professores indicam que é necessário manter o cuidado com a preservação das praias. Para isso, a atenção com a poluição dos mares, oceanos e praias passa a ser fundamental, de acordo com a pesquisa da UFF.
Foto: Noel Tavares